quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Hachura

A hachura tem um papel fundamental como elemento técnico do desenho e foi muito usado pelos velhos mestres para ajustar sutilmente as relações tonais. Neste caso, "o pano para manga" foi explorar a hachura numa abordagem mais gráfica, como instrumento para gerar topografia, textura, ritmo e movimento. Com o "barbudo" em questão, aprendi uma coisa importante, talvez meio óbvia: para representar a luz, a ênfase deve incidir sobre os planos médios e baixos e não sobre os altos, ou seja, em alguns casos, para termos a luz, paradoxalmente não a pintamos.
Essa é uma das razões pelas quais continuo acreditando piamente na idéia de que a arte é muito maior do que pensamos ou imaginamos; sempre nos supera e nos ensina. Se tem algo que aprendi em pintura é a necessidade de sempre manter a mente aberta e flexível, porque a disponibilidade abre espaço para que algo novo aconteça. Como disse Affonso Romano de Sant'Anna, em Desconstruir Duchamp (ed. Vieira & Lent), "não existem formas esgotadas e sim pessoas esgotadas diante de certas formas". Pura verdade.

Peter Paul Rubens

Segundo Leffel, uma das maiores virtudes de Rubens foi sua grande capacidade de ver a essência visual das coisas, que, do meu ponto de vista, pode ser traduzida como capacidade de extrair as qualidades visuais dos objetos: saber o que faz uma maçã ser visualmente uma maçã e não uma pêra, por exemplo. Buscar a essência visual das coisas é abstrair, organizar mentalmente o que vê sob critérios de seleção, muito diferente de colocar no papel tudo aquilo que aparece pela frente.

Neste estudo do auto-retrato de Rubens, em pastel seco, dividi o processo em duas etapas. Na estrutura do desenho, fugindo um pouco das minhas características, procurei fazer um esboço estritamente com linhas, sem o auxílio das massas. Na segunda parte, foquei as bases de cor para entender a sua paleta, guiando-me pelo uso mais complexo da mudança da direção da cor pela intensidade e temperatura.

Aquarela

Uma das gratas surpresas de 2008 foi ter conhecido o curso de aquarela do Cárcamo (http://www.carcamo.com.br/). Além de grande ilustrador e caricaturista, um profundo conhecedor e estudioso da técnica de aquarela.

Essa pintura do Cárcamo foi feita no último dia de aula no Jardim Botânico e fui o feliz ganhador do sorteio

Essa caricatura com dedicatória e tudo foi fei feita em mais ou menos 10 minutos. Ela me revelou uma mania, um tanto quanto desagradável, da qual não tinha menor desconfiança: faço "biquinhos" enquanto desenho ou pinto.

Nessa primeira tentativa de pintar em campo, cheguei a "travar", para não dizer que "apanhei feito um cão". Por mais ou menos meia hora, eu olhava para a paisagem e ela olhava para mim, sem saber o que fazer. Graças a alguns toques do professor, a pintura saiu do lugar.

O que me faltou, segundo o Cárcamo, no primeiro trabalho foi arrojo. Tentei e acho que melhorou.

Paisagem feita no meu ateliê

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Falta e estilo

Atualmente, na arte e fora dela, há uma forte tendência de cobrir as “faltas”, falhas e imperfeições com palavras. Uma aluna sobre o assunto soltou uma frase divertida e irônica de Mario Quintana que bem retrata isso. “Estilo é uma dificuldade de expressão” foi o que respondeu quando inquirido sobre o que era estilo.
Certa vez, depois da sessão livre de modelo vivo no ateliê, dispusemos os desenhos feitos para uma análise técnica. Perguntei então aos desenhistas “visitantes” (não-alunos do curso) se queriam que fizesse uma avaliação, visto que não eram obrigados a se expor dessa maneira a estranhos. Responderam que sim. Ao comentar o trabalho de um deles, dizendo que ajudaria o treinamento de estímulo da percepção visual (para evitar as formas estereotipadas oriundas do lado racional) e também o estudo de anatomia para representar melhor as formas (da musculatura e das articulações) e as proporções do corpo humano, ela respondeu: “não, é que meu desenho é de escultora”.
Por alguns instantes, pensei “o que isto significa?” Na maioria das vezes, podemos perceber que há uma diferença clara entre o desenho artístico e o desenho de ilustração por partirem de bases e lógicas de construção diferentes (e aí, não vai nenhum juízo de valor), mas o que é desenho de escultor? O que isso implica? O desenho de escultor é aquele que contem erros grosseiros de construção, de anatomia, proporção e forma? Quando contemplamos os desenhos de Michelangelo, Bernini, Rodin, Carpeaux, entre outros, realmente somos capazes de distinguirmos os pintores dos escultores? Claro que não (para se ter uma ideia da inconsistência de tal argumento, basta recorrer ao livro Modelling and Sculpting the Human Figure, no qual Lanteri, logo na introdução, reitera que o escultor deveria desenhar tanto quanto ou mais que o próprio pintor). No fundo, foi uma estratégia (inconsciente e amplamente difundida) que pode ser dividida em dois movimentos.
- Primeiro movimento: preencher a “falta” (de conhecimento teórico ou técnico, de prática, vivência, disciplina, etc), falha ou erro com palavras ou retórica (nos casos mais sofisticados).
- Segundo movimento: transformar a mesma falta em virtude, tida como "estilo" ou "qualidade estética". A qualidade da “metamorfose” é diretamente proporcional à capacidade intelectual de elaboração verbal do executor. Ora, lendo as entrelinhas, se o desenho é de escultor e eu sou professor de pintura, sou eu quem não entende o que ela está fazendo ou querendo expressar. Sou eu quem deve se informar melhor acerca disso, saber mais sobre os atributos do desenho de escultor. Moral da história: a última coisa que cabe ao aluno é estudar mais para melhorar a expressão.
Se isso acontece no nível do aprendizado, o mesmo pode ser verificado também mais tarde, com os profissionais, pois não é o fato de se auto-intitularem artistas que o problema dissolver-se-á.
O que vivemos hoje, em última instância, é a instauração de uma grave situação de incongruência entre os dados concretos visíveis à nossa frente, no caso, a obra e o que é dito sobre ela (que deve guiar a apreciação do espectador), cuja característica principal é a prevalência da palavra sobre a imagem.
Sobra ao espectador independente e ao aprendiz ou artista sérios, enfim, para aqueles que preferem ficar com o que veem e não com o que deveriam ver, a convicção solitária de que, numa obra-de-arte sincera, a boa intenção do autor não é suficiente. O trabalho deve sustentar-se com recursos próprios sem o auxílio externo, imprescindível, do discurso.

Todo esse monólogo me lembra uma frase do mestre zen budista no Zen em Quadrinhos (Tsai Chih Chung, Ediouro): “Sócrates disse que se as pessoas soubessem o que deveriam fazer, o fariam; mas ele subestimou a capacidade que elas tem de se enganar. Todos sabem o que deveriam fazer, mas quantos o fazem?”

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Mais Rodin

Essa série é composta de desenhos rápidos (em torno de meia hora mais ou menos cada um) e simplificados. A proposta foi eliminar o excesso de detalhes, trabalhar apenas com as grandes massas e planos, aproveitar o valor médio do papel com sobreposição gradual dos valores altos e baixos, sem detalhes minuciosos. Em outros termos, dizer o essencial e rápido. Isso é uma boa dica para evitar a abordagem literal (de copiar tudo o que vê), carente de hierarquia e seleção do mais significativo ou, pior, o desenho "bonitinho" que parece uma "foto". Para David Leffel, o estabelecimento de conceito, além de servir de diretriz para ação, ajuda a eliminar a dúvida sobre quando dar por encerrado um trabalho.

Carvão e lápis pastel branco sobre papel Marrakech, 2009

Carvão sobre papel kraft azulado, 2009.

Carvão sobre papel cartão, 2009.

Carvão sobre papel kraft azulado, 2009.

Carvão com toques com lápis conté branco sobre papel kraft azulado, 2009.

Rodin



Ao fazer o desenho deste busto de Victor Hugo, executado por Auguste Rodin, lembrei-me de um episódio curioso do livro A Arte: conversas com Paul Gsell (Editora Nova Fronteira). Rodin queria fazer um busto do escritor, mas este se recusara a posar em função de uma experiência traumática: o escultor anterior chamado Villain levara 38 sessões para fazer um péssimo trabalho. Para implementar o retrato, teria de virar-se sem que Hugo posasse. Num primeiro momento, Rodin desenhou vários esboços, depois começou a trabalhar numa mesa giratória do lado de fora, na varanda. Como o escritor recebia várias visitas, Rodin teve de contentar-se em memorizar o que via para modelar o barro. Conta que, ao chegar lá, a imagem mental se dissipava, perdendo a coragem de dar um só golpe com o cinzel. Achei a história reveladora porque, muitas vezes, ao ver a obra pronta (em que não transparece as dificuldades e entraves), não temos acesso aos bastidores do processo. Justamente por isso, a tendência é a de cultivarmos a fantasia de que a “genialidade” nasce da facilidade, da inspiração divina e que o tal do “dom” substitui magicamente o esforço, a disciplina, o pensamento. Este exemplo mostra que, por mais que se domine a técnica e os conceitos de design, ainda há um humano por trás da obra e os dados de realidade continuam complexos e imponderáveis. Este é o desafio, tanto para o mestre como para o aprendiz.

Felinos

Puma. Desenho em carvão e giz branco sobre papel kraft, 2000.

Onça. OST, 2004.

Tigre, OST, 2002.

sábado, 17 de janeiro de 2009

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Massa Pictórica

Uma das melhores formas de compreender os problemas derivados da construção de uma imagem é estudar as respostas dadas pelos grandes mestres. Joaquín Sorolla y Bastida, nascido na Espanha, foi um dos maiores pintores do século XIX, infelizmente pouco conhecido e reconhecido atualmente. Este é o desenho que fiz de seu auto-retrato (original em óleo) e nele entendi a importância da colocação das massas abrangentes na base que ultrapassam a forma, dentro da lógica pictórica, ou seja, orientada pela sensação e movimento de luz.
O cinza do papel foi convencionado como o valor médio da figura e do fundo. Os tons altos foram colocados com lápis conté branco e os baixos, lápis carvão.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Pastel seco

Sempre gostei dos traços marcados do ator Al Pacino e, ao ver sua foto na revista como personagem Shylock no filme O Mercador de Veneza, não resisti à tentação de torná-lo referência para fazer um estudo em pastel. A idéia foi criar uma síntese pouco trabalhada a partir de uma paleta restrita de cores. Pode não parecer, mas quase não usei as cores frias azuladas ou lilases que aparecem nos planos que recuam (com exceção dos terras verdes da barba e roxos como reflexos); são vistas por indução pela oposição das cores quentes - um bom exemplo são as pequenas áreas formadas pela bolsa embaixo do olho e pequenas áreas de transição embaixo da sombrancelha. Abusei das hachuras, assim como da tonalização cinza do papel, para temperar as cores. Outro dado curioso foi o uso do guache como base, idéia dada por um ex-aluno (chamado Marcel). Não sei até que ponto esse material é duradouro, mas foi uma experiência cujo efeito não deixa de ser interessante. Para trabalhos definitivos, logicamente vale a solução tradicional, já pronta: o papel próprio para pastel como o Tiziano, Canson Mi-teints ou Murillo.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Michelangelo no MuBE

A visita à Exposição "Michelangelo no MuBE" foi a única atividade fora do ateliê de 2008, infelizmente. Era uma oportunidade sem igual, aqui no Brasil pelo menos, para desfrutar do privilégio de treinar desenho com as cópias de gesso tiradas a partir dos moldes das obras originais.
Cheguei a conversar com o pessoal do MuBE para fazer demonstrações ao vivo, divulgar esse tipo de prática de estudo tão comum na Europa e EUA e explicar a lógica de construção do desenho. Não deu certo pois não se podia mexer na iluminação. Sem iluminação adequada sobre o cavalete não dava para demonstrar ao público o pensamento e o método por trás da prática.
Ficou o plano original de levar a turma para fazer os estudos por conta. E para levar adiante a "expedição"e lidar com o ambiente escuro como breu, restou-nos o adágio "quem não tem cão, caça com gato..." e, como bons caçadores, cada qual levou sua lanterna e seu caderninho.
Mas foi uma experiência muito bacana. É difícil encontrar essa situação ideal que reúna, simultaneamente, excepcional qualidade de execução e iluminação de uma única fonte, condição fundamental para quem quer trabalhar mais com as massas. Senti-me muito entusiasmado. Não via a hora de começar a desenhar.
Quem passou por lá, vendo aquele bando de gente com lanterna na cabeça ou segurando-a na mão enquanto desenhava com a outra, deve ter nos achado loucos ou obstinados... Prefiro obstinados.


Exemplos do que estou falando: eu com minha lanterninha na cabeça, o Marcelo e o Filipe, no papel de praticantes esforçados "que não medem esforços para beber da fonte da sabedoria". Se bem que, olhando agora para essas cenas inusitadas, não dá para recrimar aqueles que pensaram "o que é que esses nerds estão fazendo?!"


Essas duas fotos são a prova do momento mágico de entrega e abnegação coletiva.