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domingo, 7 de outubro de 2012

Análise sobre uma obra de Chardin

 Jean Baptiste Simeón Chardin, "Grapes and Pomegranates", óleo sobre tela





No ateliê, usamos essa referência como base de estudos, principalmente para entender a concepção pictórica de cor na prática. E Chardin, pintor francês do século XVIII (1699-1779), nos dá uma importante lição sobre o assunto, indicando o quanto uma pintura pode adquirir movimento de cores, não respeitando a forma contrastante dos sólidos.
Algo que me chamou atenção para essa pintura foi o fato de que as cores locais (cores do objeto) não possuem o caráter determinado como no estilo linear, mais preocupado com a representação das cores próprias do objeto. O conceito de cor local torna-se mais elusivo como produto do cruzamento das sobreposições das camadas de cor.
 


As massas do espaço negativo (fundo) e do espaço positivo (figura) da jarra são oriundas da mesma fonte, como diria Wolfflin, ou seja, partem da mesma base de cores, na família do cinza esverdeado.


No detalhe, com o intuito de comprovar esta tese, eliminei a "interrupção da sombra" , por meio do Photoshop, para evidenciar este movimento contínuo e subjacente da massas (de mesmo valor e família) que ultrapassam a forma na estruturação da pintura. E sob este aspecto é que se evidencia o movimento independente das massas que ganham vida própria por não respeitar as fronteiras dadas pelo contorno do objeto.

Tomando emprestado novamente os conceitos de Wolfflin, enquanto no linear, "figura é figura, o fundo é fundo", no pictórico, "figura e espaço, corpóreo e incorpóreo, podem unir-se na expressão de um movimento tonal independente, sem que a objetividade seja prejudicada."

A curiosidade mais intrigante nessa pintura de Chardin, na minha opinião, recai especificamente sobre o modo como a configuração do objeto se dá pela colocação da interrupção representada pela sombra.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Grupo Realista de Estudos

Inauguramos neste sábado o Grupo Realista de Estudos. É um projeto antigo esquecido "na gaveta" e que foi resgatado no final do ano passado, ganhando forma por iniciativa de alguns alunos .
O principal escopo é a reconstituição do pensamento artístico e técnico tradicional (destruído pela "desconstrução" e "transgressão", durante décadas no século passado, que ainda vigoram) que sirva de base para a organização do fazer artístico.
Para tal intento, o grupo propõe-se ao estudo, pesquisa e investigação dos processos e abordagens pictóricas dos grandes mestres, levantamento teórico de questões e temas aplicáveis à prática.
E o início não podia ter começado melhor com a leitura do livro Conceitos Fundamentais da História da Arte, de Henrich Wölfflin. Nesta primeira sessão, trabalhamos a explanação sobre as principais diferenças entre o estilo pictórico e o estilo linear, contextualização histórica, distinções técnicas e práticas por meio de imagens.
Reflexão, sistematização metodológica, discussão e análise conceitual-técnica das construções dos maiores pintores sob a perspectiva pictórica sempre foram temas instigantes para mim e a criação deste grupo é mais um passo fundamental na instituição de uma escola de pensamento realista.







segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Falta e estilo

Atualmente, na arte e fora dela, há uma forte tendência de cobrir as “faltas”, falhas e imperfeições com palavras. Uma aluna sobre o assunto soltou uma frase divertida e irônica de Mario Quintana que bem retrata isso. “Estilo é uma dificuldade de expressão” foi o que respondeu quando inquirido sobre o que era estilo.
Certa vez, depois da sessão livre de modelo vivo no ateliê, dispusemos os desenhos feitos para uma análise técnica. Perguntei então aos desenhistas “visitantes” (não-alunos do curso) se queriam que fizesse uma avaliação, visto que não eram obrigados a se expor dessa maneira a estranhos. Responderam que sim. Ao comentar o trabalho de um deles, dizendo que ajudaria o treinamento de estímulo da percepção visual (para evitar as formas estereotipadas oriundas do lado racional) e também o estudo de anatomia para representar melhor as formas (da musculatura e das articulações) e as proporções do corpo humano, ela respondeu: “não, é que meu desenho é de escultora”.
Por alguns instantes, pensei “o que isto significa?” Na maioria das vezes, podemos perceber que há uma diferença clara entre o desenho artístico e o desenho de ilustração por partirem de bases e lógicas de construção diferentes (e aí, não vai nenhum juízo de valor), mas o que é desenho de escultor? O que isso implica? O desenho de escultor é aquele que contem erros grosseiros de construção, de anatomia, proporção e forma? Quando contemplamos os desenhos de Michelangelo, Bernini, Rodin, Carpeaux, entre outros, realmente somos capazes de distinguirmos os pintores dos escultores? Claro que não (para se ter uma ideia da inconsistência de tal argumento, basta recorrer ao livro Modelling and Sculpting the Human Figure, no qual Lanteri, logo na introdução, reitera que o escultor deveria desenhar tanto quanto ou mais que o próprio pintor). No fundo, foi uma estratégia (inconsciente e amplamente difundida) que pode ser dividida em dois movimentos.
- Primeiro movimento: preencher a “falta” (de conhecimento teórico ou técnico, de prática, vivência, disciplina, etc), falha ou erro com palavras ou retórica (nos casos mais sofisticados).
- Segundo movimento: transformar a mesma falta em virtude, tida como "estilo" ou "qualidade estética". A qualidade da “metamorfose” é diretamente proporcional à capacidade intelectual de elaboração verbal do executor. Ora, lendo as entrelinhas, se o desenho é de escultor e eu sou professor de pintura, sou eu quem não entende o que ela está fazendo ou querendo expressar. Sou eu quem deve se informar melhor acerca disso, saber mais sobre os atributos do desenho de escultor. Moral da história: a última coisa que cabe ao aluno é estudar mais para melhorar a expressão.
Se isso acontece no nível do aprendizado, o mesmo pode ser verificado também mais tarde, com os profissionais, pois não é o fato de se auto-intitularem artistas que o problema dissolver-se-á.
O que vivemos hoje, em última instância, é a instauração de uma grave situação de incongruência entre os dados concretos visíveis à nossa frente, no caso, a obra e o que é dito sobre ela (que deve guiar a apreciação do espectador), cuja característica principal é a prevalência da palavra sobre a imagem.
Sobra ao espectador independente e ao aprendiz ou artista sérios, enfim, para aqueles que preferem ficar com o que veem e não com o que deveriam ver, a convicção solitária de que, numa obra-de-arte sincera, a boa intenção do autor não é suficiente. O trabalho deve sustentar-se com recursos próprios sem o auxílio externo, imprescindível, do discurso.

Todo esse monólogo me lembra uma frase do mestre zen budista no Zen em Quadrinhos (Tsai Chih Chung, Ediouro): “Sócrates disse que se as pessoas soubessem o que deveriam fazer, o fariam; mas ele subestimou a capacidade que elas tem de se enganar. Todos sabem o que deveriam fazer, mas quantos o fazem?”