segunda-feira, 22 de junho de 2009

Sobre o movimento das massas

Estudo Silente III, Pastel Preto, branco e cinzas, 2007

Um dos aspectos mais sutis na pintura, mas que exerce, sem dúvida, forte influência na condução da leitura de uma obra é o trabalho elaborado com as massas. Em geral, a maior preocupação em relação a esse elemento técnico é gerar exclusivamente a ilusão de profundidade. Estabelece-se a sequência tonal escuro, médio e alto, para, numa segunda etapa, fazer as transições entre um valor e outro. A carência dessa perspectiva reside na natureza estática com que se aborda (a massa está a serviço apenas do sombreamento) e também, porque em geral as massas encontram-se estancadas em cada plano do objeto (plano de sombra, intermediário e de luz).
Neste estudo com preto, branco e gama de cinzas, procurei outro conceito, mais abstrato: o de descrever a sensação, o movimento da luz sobre os planos do rosto. Diferentemente do primeiro caso, em que se pensa objeto com claro e escuro, procurei organizar as massas orientado pela fluência de movimento contínuo que não simplesmente termina com determinado tom; transforma-se em outro. O pré-requisito foi ordenar a interação sensível entre incidência de luz e os planos do objeto. O controle da velocidade, fluxo e o ritmo das massas são dados pelo tipo de borda: dura, intermediária e suave. Borda dura denota término, borda suave, continuidade.
Outra dica de Leffel, muito interessante, para orientar o movimento das massas ou pinceladas: “Entre movimento e forma, fique com movimento, pois todo movimento contém forma, mas nem toda forma contém movimento.”

quinta-feira, 11 de junho de 2009

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Decrépita Putrefata

Fazia um certo tempo em que eu queria retratar a decripitude como determinado tipo de disposição mental diante da vida. Queria sintetizar na forma de imagem como vejo esse estado decadente de apatia no qual as pesoas escolhem ser, sem saber, espectadoras da vida e, subsequentemente, objetos passivos do próprio destino. Mais do que incômodo, esse tema da letargia consentida me intriga, pois as vejo, em últimas instância, mais como vítimas de si mesmas. Para criar esse efeito de imobilidade, resolvi "plasmar" a figura num pedestal de estátua. A textura de pele, inspirada nas peças de Giacometti, foi feita com empaste e cores definitivas num valor pouco mais alto, como underpainting, para receber as veladuras e glazes posteriores.
Decrépita putrefata, OST, 2005

Estudo de textura com espátula sobre papel

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Visita ao MASP: "Arte na França 1860-1960"

Henri Fantin-Latour - A família Dubourg

Rosa Bonheur - Lavragem em Nevers


Carolus Duran - O Convalescente


José Ferraz Almeida Jr. - Moça com livro

Ontem, fomos ao MASP. A proposta desta visita, com os alunos do ateliê, foi praticar outro tipo inédito de exercício para a maior parte da turma: o olhar analítico de pintor, de natureza técnica, numa relação mais íntima com os executores através das obras. Para isso, foi crucial visualizar o pensamento por trás delas, sem a mediação ou o filtro do discurso teórico dado pelo curador, crítico ou historiador. Pois, queira ou não, ao saber de quem a obra pertence, com respectivo conhecimento anterior sobre sua vida pessoal, sua importância dentro da História da Arte, somos inconscientemente induzidos a ter uma visão comprometida com o politicamente correto, como é muito comum se constatar. (Para ter uma idéia do que estou falando: certa vez, perguntei a uma ex-aluna de quais pintores ela gostava. Respondeu-me "todos os grandes mestres! Se forem grandes eu gosto.)
Para levar adiante essa empreitada foi condicionante dissociar o juízo de valor, próprio da visão de leigo, da perspectiva técnica e aceitar a idéia (nada nova) de que a boa obra se autossustenta, sem o recurso da retórica. Aliás, o que ficou patente, pelo menos para mim, é que quando víamos uma obra com deficiências de um pintor importante, era necessário recorrer a alguma qualidade externa à obra para "salvá-la", enquanto a boa obra era "inteira", ou seja, autossuficiente porque falava por si mesma.
A agradável surpresa de nossa excursão foi de que, em geral, as obras que mais chamaram atenção dos alunos por seus efeitos geralmente foram as mais bem elaboradas em termos de construção técnica.
Desejo que tenham compreendido a importância do domínio dos instrumentos e recursos de manipulação da imagem orientados pelo conceitos técnicos e espero ter passado o recado.

sábado, 6 de junho de 2009

2ª versão de ensimesmado IV

Depois de ler o livro Oil Painting techniques and materials, de Harold Speed, resolvi fazer a segunda versão baseada num conceito diferente. Sua afirmação, bem interessante, é de que uma boa pintura vai na direção do monocromático. Resolvi trabalhar, para tal intento, uma base de cores restrita: branco, preto, sombra queimada, terra rosa, venetian red e ocre.
A característica principal dessa versão em relação à primeira é que os contrapontos de valor, temperatura e intensidade ficaram numa escala mais sutil e suave. Parece também que essa contem mais ar.
Sobre a paleta restrita: se, por um lado, como vantagem, ela permite maior domínio por manipular um número reduzido de pigmentos (como foi dito no post anterior "Menos é mais"), por outro, o grande perigo dessa abordagem é que ela tende perigosamente a gerar ruptura de tom - quando não é mais possível identificar a direção das cores que formaram a base por excesso de mistura - e, por tabela, cores sujas acinzentadas.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Simples x Simples

Há dois tipos de "simples". O "simples" do simplismo, do simplório e o "simples" da simplicidade. O primeiro nasce de uma concepção rudimentar e grosseira, fruto da dedução a partir do processamento rápido de poucos indícios; o segundo surge da contemplação e compreensão profunda do mundo visível, que tem como lastro o princípio da Simplicidade, o qual estabelece a maneira mais direta e econômica possível como qualidade imprescindível para o exercício mental de organização e para a execução prática.
Enquanto um é típico da visão estereotipada de senso comum, o outro é característico da visão técnica do mestre. Quem leva adiante o cultivo do primeiro confunde toscamente o pouco com nada, enquanto quem persegue e atinge o segundo registra o sutil, ou seja, vê grande diferença nas pequenas coisas.
O “simples” simplório é fraco porque se fia no escasso que, no fundo, diz nada, enquanto o outro, da simplicidade, é aquele diz muito com pouco, de modo sucinto, conciso: tem a sua força no essencial, no irredutível, no mínimo necessário. Além desse sensível limite é excesso, aquém desse, é pouco.
O "simples" do simplismo é fácil por derivar da leitura da camada mais superficial e aparente das coisas, da "casca" visual. Encontra-se disponível, surge da falta de esforço. O "simples" da simplicidade é difícil e complexo por implicar a busca incessante do entendimento e a elaboração mental criteriosa do que se vê.