sexta-feira, 11 de março de 2022


 Já faz um tempo que queria ter um retrato de Degas à altura do que ele representava à minha jornada dentro das Belas Artes. E o desenho em carvão executado em 2016 parecia conter faltas que não condiziam com essa correpondência.

 Resolvi então retrabalhá-lo mas mudando a perspectiva usual de me esforçar para aperfeiçoar o desenho, de melhorá-lo até o ponto que atingisse o que eu queria. Nada mais legítima que essa perspectiva de que, se há esforço árduo, persistente, deve haver uma contrapartida favorável em termos de resultado como compensação ao tempo, energia, neurônios despendidos em tal tarefa. Apesar do forte apelo lógico, percebi que, no nível mais alto de rigor da excelência, essa abordagem reduziu-se muito mais a um desvio equivocado, por representar o melhor do mundano. Sempre que o contemplava, sentia que algo ainda estava fora do lugar e a aposta foi de que era a conduta o elemento deslocado do seu eixo.

 A chave para a mudança foi uma ideia extraída do livro A vida intelectual (de A. D. Sertillanges), de que “a recompensa da prática é a própria prática” - o que eliminaria por tabela a busca por êxito. Assim sendo, dispus-me a operar uma guinada mental de estar a serviço do desenho, tentando depurar e conduzir a leitura de acordo com suas necessidades, num estado e disposição mentais alterados, de tal forma que ele pudesse me guiar, dizendo-me o que deveria fazer. Neste tipo de interação, você se vê obrigado a ampliar os canais da percepção para discernir entre as demandas do desenho e as suas, que no caso, devem ser eliminadas do mapa.

O maior problema de querer lapidá-lo visando a sua melhora é que comporta um elemento egoico de buscar a auto-afirmação e o bem estar, os quais nos levam muitas vezes a implementar efeitos que garantam e fixem um certo tipo apelo visual, interessante mas superficial, quando baseado numa espécie de “sacadinha”. Ao contrário, a ideia de servir ao desenho presume o mal estar, a entrega, a atitude reverencial e, em última instância, a morte simbólica do ego representada pelo abandono de si - motivo pelo qual se pode deduzir que ao invés de lapidarmos o desenho, somos lapidados por ele através do processo prático.

Num sentido transcendente, não é a obra veículo de nossa expressão e sim o contrário. Somos o veículo de materialização de sua existência.

E eis a escolha difícil: abrir mão simbólica de nossa vida para que a obra adquira a sua...

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